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montesclaros.diariomineiro.net - Ano 26 - sexta-feira, 23 de maio de 2025

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Haroldo Santos [emailprotected]
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Por Haroldo Santos - 14/1/2011 13:19:37
Montes Claros e seus tipos inesquecveis

Lala foi um "doido", ou pelo menos como tal na poca era julgado, que viveu na cidade de Montes Claros entre as dcadas de 40 e 60. O seu verdadeiro nome no se sabia, mesmo porque no era divulgado, tamanha a popularidade do seu apelido.
Como ele, vrios outros tipos populares inesquecveis povoaram a vida de Montes Claros naquele perodo que foi considerado ureo, uma cidade buclica e romntica, que tinha, entre outras atraes, o famoso Cassino Montes Claros, conhecido internacionalmente pela beleza das mulheres que habitavam "Rendez Vous" gloriosos ento istrados com muito orgulho pelas prprias prostitutas, ao contrrio de hoje, poca dos executivos modernos, quando empresrios cafetes e cafetinas requereram para si a atividade de explorar e istrar o lenocnio nas "New Sagitarius" da vida.
Regio de pecuria de corte, a cidade tinha tambm um "comrcio nervoso" em decorrncia da sua localizao estratgica de entroncamento virio entre o sul da Bahia, o Norte de Minas e toda a Regio Sudeste, e projetou seu nome alm das fronteiras. Quem nunca ouviu falar da famosa Carne de Sol de Montes Claros
Naquele tempo em que as pessoas tinham tempo e espao para a vida em comunidade, eram comuns os chamados "tipos populares", presentes na histria de toda cidade que se prezava.
Ns, que tivemos o privilgio de conhecer a Montes Claros daqueles velhos tempos, assistimos agora existncia de uma cidade sem uma identidade prpria, onde o desenvolvimento industrial e o crescimento demogrfico no planejado so acompanhados a os largos por deformidades exuberantes na convivncia scio-econmica e urbanstica.
O mundo moderno, dizem alguns, ficou pequeno com o aparecimento da Internet, a grande teia mundial de comunicao, entretanto, na verdade, ficou foi "grande demais" para os "pequenos detalhes" da vida quotidiana. O progresso cientfico-cultural, as invenes e as descobertas deste final de sculo, trouxeram solues para a maior parte das dificuldades da humanidade, mas apesar disso, as cidades deterioram, com um nmero cada vez maior de problemas que no tm tido soluo, e hoje, praticamente impossvel a identidade das comunidades com os seus chamados "tipos populares", to comuns e indispensveis prpria biografia das mesmas e qu8e se perderam no redemoinho do crescimento desordenado.
Da a modesta inteno de tentar retratar nesta despretensiosa crnica alguns episdios pitorescos da vida de Montes Claros poca de Lala e seus congneres.
Lala
Lala foi uma das figuras mais interessantes daquela poca, inclusive pela polmica em torno de sua prpria condio psquica, uns afirmavam que ele era doido, enquanto outros diziam que ele se fazia ar por doido para viver, sendo na realidade "muito esperto e espirituoso". E a respeito de suas "observaes" sempre rpidas e espirituosas existem folclores, e lembramos como exemplo um fato ocorrido na famosa Rua 15, que era a rua do "footing" e dos bate-papos na poca. Nesta ocasio, uma jovem senhora da sociedade montesclarense, recm-casada, e j esboando orgulhosa a sua gravidez, ava pela referida rua quando ali se encontravam proseando um grupo de rapazes com o nosso personagem, e como ele sempre fazia, tecendo consideraes diretas e espirituosas sobre todos os transeuntes, ao v-la ar, no se conteve e exclamou, dirigindo-se jovem senhora: -Ah. Agora eu quero ver voc dizer que no "fez" nada....
Ele sempre tinha uma observao e um enfoque sobre cada pessoa, era um observador nato por assim dizer, e como um crtico mordaz e sempre atento, nada lhe ava despercebido, aguado que era este seu esprito.
Um dos episdios mais pitorescos de sua histria diz respeito exatamente sua pseudo-condio de doido, o que ocasionalmente o transformava em um sociopata de convvio mais difcil, exigindo da Polcia, nestes momentos, o seu encaminhamento ao Manicmio de Barbacena para a internao e tratamento psiquitrico, comuns poca.
Na poca foi chamado na delegacia o Tio Peba, figura muita conhecida na cidade como seleiro e que exercia tambm as funes de acompanhante de pacientes que eram encaminhados ao famoso manicmio, e que foi incumbido pelo delegado de polcia de levar o nosso personagem por meio de transporte ferrovirio.Tudo acertado, l se foram os dois. Entretanto, ao chegar ao manicmio conduzindo Lala, Tio Peba foi surpreendido pela "engenhosidade" de raciocnio daquele "suposto doido", que disse de imediato ao porteiro na entrada do hospital:- "Olha moo, eu estou trazendo este velho doido de Montes Claros, mas estou deixando ele pensar que ele quem est me trazendo. Logo que entrarmos no Hospcio voc trata de tranc-lo logo porque ele muito perigoso".
Dito e feito, o esclarecimento s se deu algum tempo depois, quando Lala j tinha eado bastante pela cidade, provavelmente tentando conseguir algum dinheiro para a sua pretendida volta, enquanto Tio Peba estava no manicmio tentando ainda se explicar.
De outra feita, num dos perodos de "estabilidade psquica", e aproveitando seus dotes de pintor de paredes que era, ele foi contratado para pintar um logotipo enorme na fachada do famoso Curtume Montes Claros, uma construo antiga que se localizava no Bairro do Melo e que podia ser avistada de vrias partes da cidade. Mas, ao combinar o preo, houve uma diferena de 5 mil reis (moeda da poca) entre o oramento e a oferta feita pelo proprietrio. Ele no quis discutir, aceitou em princpio a oferta, colocou a escada no grande paredo que ficava voltado para a cidade e comeou a pintar o nome da indstria bem no alto da fachada, em letras garrafais, "CU", e parou na segunda letra o seu trabalho.
Desceu da escada, procurou o contratante e disse-lhe: -S continuo pelos 30 mil reis.
E no necessrio dizer que ele recebeu o preo integral para continuar bem depressa o seu trabalho, e completar o logotipo que parcialmente escrito denunciava um significado jocoso e no desejado quando avistado da cidade.

500 pelo cadver
Antigo viajante da dcada de 40 na regio de Montes Claros, oriundo, segundo diziam, de famlia importante de S. Paulo, este personagem desenvolveu uma grave neurite perifrica alcolica de carter degenerativo que limitava intensamente a sua deambulao pelas ruas da cidade que antes o havia assistido brilhar nas pistas de dana do famoso Cassino Montes Claros nos seus ureos tempos de moo jovem e elegante.
Sempre trajando ternos bem cortados, sapatos lustrosos e cabelos bem penteados ele se tornou conhecido na cidade nos seus tempos de mancebo garboso, mas as noitadas na boemia e o uso constante de bebidas alcolicas o transformaram num ancio precoce que levava vrias horas para percorrer alguns quarteires desde o seu barraco prximo Santa Casa at o centro da cidade onde ava o dia, fazendo o mesmo percurso de volta em outras tantas horas no final da tarde.A sua limitao de movimentos que provocava um andar titubeante e muito lento e as suas feies j carcomidas facultaram-lhe o apelido de 500 pelo cadver, e quando algum moleque gritava aquele apelido irritante, impotente para se locomover, ele usava a nica arma que ainda lhe restava para rebater a zombaria, a sua lngua ferina: -" a ...... da me desgraado, filho da puta".
Viveu assim vrios anos, ntegro em uma pseudo-elegncia que nunca perdeu, sempre de palet, ainda que agora todo esfarrapado e sujo, mas sem perder a aparente fleuma que apresentava impecvel na juventude, s que mantida ereta agora apenas pela inflexibilidade imposta pelas suas artroses e artrodeses articulares oriundas de sua doena degenerativa.
Manoel 400
Nas dcadas de 50 e 60 os quitutes monstesclarenses tinham a participao especial de um personagem pitoresco: Manoel 400. Naquela poca de foges a lenha, as pequenas carroas de lenha que eram vendidas de porta em porta semelhana do que acontece hoje com os caminhes de gs, precediam sempre chegada de Manoel 400 que aparecia logo em seguida com o seu machado, sempre bem afiado, para desdobrar (cortar) aquela lenha possibilitando o seu uso no fogo.Tipo imprescindvel naquela Montes Claros, ele tambm se fazia notar pelo seu aguado "esprito de conquistador" com galanteios gentis, puros e sempre generosos para todas as moilas da cidade, e no seu perfil havia uma certa astcia em "dar ferradas" apontando para os ares com a descrio de objetos hipotticos e inexistentes e quando a pessoa ou pessoas solicitadas olhavam na direo por ele indicada imediatamente exclamava com um sorriso de vitria nos lbios :- lalaika.
Era tal a sua pureza de esprito que se transformou num tipo imprescindvel nos fundos de quintal, e noite quando os rapazes se reuniam na rua 15 para ver o "footing", ali estava ele misturado aquela sociedade emergente, de banho tomado, cabelo glostorado (Glostora era um popular leo para cabelos usado na poca), com uma camisa de mangas curtas e uma gravata atada ao grosso pescoo de alterofilista (afinal era uma lenhador, o verdadeiro alterofilista), pronto para os seus galanteios e as suas imaginrias conquistas e "flertes".
Tuia
Tuia foi outro tipo inseparvel da paisagem cosmopolita da cidade. Ele era um ex-escravo de feies agigantadas, com ps que, sem a limitao dos sapatos que nunca usou, cresceram exageradamente e apresentavam horrveis crostas ressecadas. Suas feies exuberantes, os lbios demasiadamente grossos e a grande projeo do lbio inferior que lhe provocava sempre uma sialorria abundante, faziam de sua figura um verdadeiro representante dos contos de terror. Era um personagem que habitava "os arrepios e os medos" das crianas montesclarenses da poca, que ao v-lo geralmente apertavam as mos dos pais com firmeza numa splica de proteo .
Entretanto ele no era agressivo, e, ao contrrio, era incapaz de qualquer ato de rebeldia ou agressividade.O seu lar por muitos anos foi o alpendre da casa em que funcionava a sede do O Jornal de Montes Claros, e ali ele era como um vigia daquela casa, fazendo parte integrante da paisagem da Rua Dr. Santos na velha Montes Claros que, como ele, tambm j era centenria naquela poca.
Requeijo
Outro tipo popular que viveu na mesma poca em Montes Claros tinha o apelido de Requeijo, e bastava que algum moleque traquinas o chamasse pelo apelido para que ele respondesse com um verdadeiro rosrio de nomes e expresses indeclinveis, tal era o seu vocabulrio de palavras impublicveis.
Naquele tempo os bares tpicos da poca no ofereciam o conforto das lanchonetes e "fastfoods" de hoje com seus balces e vitrines industriais resfriados e servios de produo industrial preparados para o consumismo moderno dos sanduiches e "colas" da atualidade.
Eram instalaes comerciais simples, com uma mquina de caf e um balco de madeira com vitrine de vidro e prateleiras forradas de papel manteiga para a exposio protegida dos quitutes regionais: fatias de requeijo e queijo, broas de fub, bolos, biscoitos fofo, ps de moleque, doces de leite e de coco, todos produtos caseiros da melhor qualidade.
Mas como lembrvamos, era tal a ojeriza do personagem pelo apelido que ele era incapaz at mesmo de pronunci-lo, e quando entrava num bar com vontade de se deliciar com uma boa fatia de requeijo ele simplesmente apontava para a vitrine dizia:
-Me d um pedao desta "desgraa" a.

Mundinho Atleta
Uma das figuras mais carismticas e constantes nas rodas de bate-papo do antigo Cafezinho do Zim Bolo, ponto obrigatrio de reunio para as fofocas do dia, ele continuou emprestando e a sua presena na esquina do Caf Galo, sucessor automtico da antiga sede das fofocas montesclarenses. Muito magro ele sempre fez jus ao seu apelido em reverso e era saudado sempre como o futuro prefeito da cidade, fato que rebatia sempre dizendo que o prefeito em exerccio era apenas um seu preposto, alm do que, importantes mesmo eram as batalhas imaginrias travadas sob o seu comando, que o transformaram num general de 5 estrelas. Mundinho seguiu sua trajetria irretocvel de figura imprescindvel na histria da cidade, uma histria cheia de estrias.


Z Amorim

E o Z Amorim? Este no podia faltar nestas lembranas porque ele representou para a Montes Claros antiga o que o "Google" representa hoje para o mundo moderno, isto mesmo o "Google", porque ele dava notcia de tudo e de todos, sabia da vida de cada um e tinha aquela linguagem prpria e extremamente satrica para descrever cada personagem da cidade. Entrar no Bar Maravilhoso, na Rua 15, correspondia a "entrar" hoje no "Google" para saber das ltimas ou de todas as novidades.
Ele era singular, e seu olhar sobre a cidade foi sempre de uma riqueza indescritvel, pena que ele no tenha deixado em letras suas palavras ricas na descrio analtica de seu tempo.
E esta era uma caracterstica familiar, pois seu pai, Pedro Montes Claros, e seus irmos, Tuca, Sinval e Bem Pau Vi, tambm tinham a lngua afiada como uma navalha, que alis era o instrumento de trabalho do seu pai, que foi barbeiro durante muitos anos e gozava da intimidade dos chamados coronis da cidade.
Quem daquela poca no se lembra de Bem Pau Vi com sua marca registrada de cumprimentar as pessoas: -h, leo desgraado!!!
Alguns at se assustavam com seu jeito abrutalhado quando estava bbado, e ele sempre estava!
Z Amorim nunca deixou um fregus sem a sua pitada sarcstica de gozao, ou pela frente ou pelas costas, ele sempre dava seu diagnstico.
Os irmos Zacalex, gregos que vieram morar em Montes Claros, tambm sofreram suas gozaes. Eles freqentavam o sanitrio do bar geralmente aps o almoo para se aliviarem, e o Z comeou a notar um certo entupimento no vaso sanitrio logo aps o uso por um deles. O Z que "no deixava por menos", resolveu dar o troco na hora certa, e numa das vezes que o Zacalex chegou e pediu a chave do sanitrio o Z foi logo retrucando: - meu irmo, vou lhe dar a chave e voc pode usar o vaso, mas v se voc "bitola", t?
Tambm corria uma histria sobre o Z que morava na poca no Bairro Roxo Verde em uma avenida movimentada que fazia a ligao para o Alto de So Joo. Numa tarde ele estava sentado em frente porta da casa, onde seus animais viviam em total liberdade, gatos, cachorros, galinhas, etc..
Em determinado momento uma carreta carregada com sacos de semente de algodo atropelou e matou uma das suas galinha e a o Z ficou "macho" com a situao e disse:
-Isto no ficar assim no!
Imediatamente pegou a sua moto, uma Harley Davidson, e partiu atrs daquela jamanta que logo foi alcanada, e a o Z foi logo mandando o motorista parar para tirar satisfao com ele.
Mas ao parar a carreta o motorista se apoiou com o brao sobre a janela e o Z viu se descortinar uma bceps que mais parecia um quadrceps de to forte, e o motorista perguntou:O que que foi, meu irmo?
O Z, que nunca foi bobo,tratou logo de resolver bem a situao e perguntou ao motorista:
-Quantas toneladas o senhor est levando a?
Ao que o motorista respondeu: -40 toneladas!
O Z ento finalizou: -Ah! Eu bem que havia calculado certo, porque a minha galinha ficou s a plastra l no cho! Boa viagem para o senhor!
O irmo do Z, o Sinval Amorim, de certa feita, tinha um dos seus apartamentos alugados a preo muito baixo no prdio que tinha o nome do seu pai, Edifcio Pedro Montes Claros, e resolveu reaver o imvel alegando necessidade de morar nele, mas a inquilina se recusou a sair do imvel e como a justia sempre foi muito morosa, foram anos e anos nessa pendenga judicial. O Sinval diariamente ia at frente do apartamento, que ocupava o segundo andar, via a inquilina na janela e dizia;
-Vocs esto vendo aquele apartamento ali no segundo andar? Ele no meu no, ele daquela Filha da Puta que est l na janela!...
Como estas vrias outras figuras lendrias do verdadeiro folclore popular desfilaram sua importncia social e porque no dizer cultural urbana, criando verdadeiros mitos dentro da comunidade e no sero esquecidas nunca por esta comunidade que sempre soube prestigiar estes valores antropolgicos.
Este mundo aparentemente artificial, povoado de imagens irreais, fazia da vida da comunidade montesclarense uma verdadeira pea teatral, repleta entretanto de veracidades palpveis, onde todos eram parte integrante do elenco deste imenso teatro real de figuras fantsticas, e fazia da cidade uma verdadeira escola de convivncia urbana.
Montes Claros j no aquela cidade de antanho, e hoje desvirginada pelo progresso j no h lugar para estes "pequenos grandes momentos" de pura poesia cultural e antropolgica.
Quintuplicada em tamanho e nmero de habitantes j no h mais espao nem tempo para uma parada no Bar Maravilhoso para saber das novidades nem tempo para as sbias reflexes daqueles montesclarenses inesquecveis.
Parece que os ponteiros dos relgios j no se contentam com sua antiga rotina de velocidade circular e cederam lugar para relgios digitais, sem ponteiros, que parecem comandar o tempo mais depressa Esta era a Montes Claros daquela poca, povoada de histrias e estrias, e como essas muitas e muitas outras ainda esto na memria de todos aqueles que tiveram o privilgio de viver na Montes Claros do Velho Mercado Municipal, do antigo Cassino Montes Claros, da movimentada Praa de Esportes, do footing da Rua 15 e da Praa Cel Ribeiro e das famosas Horas Danantes que fizeram o embalo dos montesclarenses naqueles tempos.
Velhos tempos! Grandes lembranas!


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Por Haroldo Santos - 2/12/2010 12:40:45

Centenrio de nascimento de Mrio Souza Santos - 29 de Novembro de 1910/2010

(Haroldo Alfredo Santos, filho, mdico nascido em Montes Claros e residente em Belo Horizonte)

Com o sol ainda dormindo, ele j estava acordado para a labuta diria. Essa foi a rotina de vida de Mario Souza Santos, nascido em Cacul, Bahia, em 1910, mas "montesclarense da gema" como ele mesmo se identificava pois aqui chegou ainda jovem, aos 19 anos, no incio de 1929, depois de uma curta agem pela cidade de Porteirinha, e aqui se estabeleceu e residiu durante toda a sua vida.
Chegou como tropeiro, mas este foi s o incio da sua jornada, porque l dentro de si ele nunca deixou morrer uma vocao inata, ser fazendeiro. E foram precisos os estgios de comercirio (como balconista) e comerciante (proprietrio da loja A Branca de Neve) para atingir o objetivo perseguido, a aquisio de terras que iriam formar as suas propriedades rurais, estabelecendo-se assim uma identidade que o acompanhou por toda sua vida, nos ajeitos e nos trejeitos.
Conhecia a terra como poucos e parecia ser um verdadeiro cmplice a servio da mesma, e foi assim que ele verdadeiramente se realizou e assim que ele reconhecido entre seus pares, um fazendeiro daqueles que no se fazem mais, daqueles que so considerados fazendeiros poticos pela nova safra de fazendeiros empresrios.
Seu Mario Santos, como era conhecido no Serto Montesclarense, foi um homem sem vaidades, dedicou toda a sua vida ao trabalho e famlia, e foi um verdadeiro exemplo de honradez, representando com dignidade a antiga assertiva de que um fio de bigode valia mais que uma . Sempre enfrentou as dificuldades como se fossem naturais, como se fizessem parte da vida, como obrigaes a cumprir. Viveu o seu tempo numa luta silenciosa em que teimava manter os valores e diretrizes cunhados ao longo da vida e a teimosia sempre foi uma faceta do seu carter porque era honesta e saia l do fundo do seu corao. Mesmo porque nunca foi homem de aventuras e por isso mesmo teimava, e preferia no se aventurar muito em novidades, era teimoso inclusive nas suas idias.
Foi sim um conservador, o que no o desdoura. Conservou, com sabedoria, os ensinamentos aprendidos a duras penas nas intempries da vida e dizia sempre que nunca recebeu nada feito, mas por fazer. Tornou-se conhecido em vrias regies de Montes Claros e municpios vizinhos, os quais tambm conheceu palmo a palmo, no lombo de seus animais que considerava quase de estimao, tamanha a identidade com os costumes do campo (lembro-me de uma besta que era chamada de Morena, e que era a menina dos seus olhos, seu verdadeiro Rolls Roice).
Nas suas viagens ia conhecendo fazendas e fazendeiros de cada regio com os quais se identificava e se tornava amigo, e mantinha um orgulho velado deste vasto conhecimento geogrfico regional. Ele foi sempre um curioso e aprendeu a fazer de tudo um pouco, foi um autodidata.
Na minha longa convivncia de filho eu tive um privilgio que na poca de adolescente interpretava como obrigao: fiz muitas viagens com ele entre fazendas ou mesmo pelos pastos, em vistoria do gado e das terras, e viajava horas a fio perguntando sobre tudo que via ou que ava por ns, numa verdadeira catilinria rural.
Lembro-me de quando, ele montado em seu cavalo de nome Prateado e eu no meu cavalinho de nome Chumilim, amos para a Fazenda Riacho do Fogo e l chegvamos ainda com o orvalho sobre a grama e as folhagens, para ele comear a sua labuta diria.
Como era difcil para mim naquela poca acordar de madrugada para acompanh-lo, mas esta era a sua rotina e eu tinha que entrar nela. No se conseguia v-lo parado, tamanha a sua energia, e foi a sua experincia, esculpida no trabalho rduo e perene, que o transformou numa referncia em toda a regio. Era incansvel em sua luta e labuta e eu no me lembro mesmo da palavra cansao em toda a sua vida.
Nos currais aguardava o fim da ordenha para a vistoria do gado, quando aproveitava para curar gabarros e bicheiras, castrar novilhos e potros, tosar crinas e orelhas, marcar e vacinar novos animais. Depois dos currais vinha a vistoria dos pastos, das cercas, das aguadas e das roas plantadas e por plantar, milho, feijo, arroz, algodo, mandioca, etc.
Na Fazenda Riacho do Fogo uma das suas realizaes, e certamente a de que mais se orgulhou, foi ter colocado gua potvel e encanada, sem o uso de nenhuma bomba hidrulica ou "carneiro", idealizando e realizando pessoalmente todas as fases do projeto, desde a captao at a distribuio por gravidade.
Sempre foi um polivalente e eu me orgulho de ter sido o seu companheiro em muitos momentos, atrapalhando algumas vezes, ajudando outras, mas sempre aprendendo alguma coisa ao seu lado. Atravessamos juntos muitas estradas barrentas com chuva escorrendo pela aba dos nossos chapus, gotejando na ponta do nariz e descendo pelos lbios sedentos pelo calor do serto.
Que saudades! Coisas simples, no ? Mas nelas, o segredo da vida se resume. So nelas que encontramos os momentos que nos marcam pelo resto de nossas vidas.
Ele foi um fazendeiro que marcou a sua poca como um carvalho de razes profundas e inabalveis, entretanto, por detrs deste fazendeiro cunhado em tmpera de ao existia um outro homem, o pai, alis, pai e me, porque depois de 8 anos de vida matrimonial harmoniosa e feliz com a esposa e os 3 filhos, ele sofreu o revs do destino perdendo a companheira inseparvel que a doena inexorvel ceifou precocemente.
Apesar da grande perda ele no se deixou abater e imbudo agora de responsabilidade dupla, cuidou de dar conta do recado, exercendo as funes de pai e me. E nunca se dobrou perante as dificuldades e na sua simplicidade procurou ensinar a vida numa dedicao quase obsessiva.
Nunca precisou de muitos afagos para demonstrar o seu carinho e na rigidez de sua postura transmitiu sempre a sinceridade do seu amor paterno conseguindo com seu trabalho, ensinar a trabalhar, com sua honestidade, ensinar o caminho, com sua dedicao, ensinar o amor e com sua simplicidade, ensinar o mais importante, o verdadeiro sentido da vida.
Foi sempre assim, um pai rgido mas um pai verdadeiro, um exemplo, o melhor que poderamos desejar e talvez, e por isso mesmo, a vida lhe foi to prdiga, permitindo-lhe esta verdadeira metfora de sua vida no campo, simbolizar a rvore, onde ele simboliza o tronco e tem nos seus descendentes a copa frondosa com suas folhas e frutos.
Hoje aqui estamos reunidos para prestar-lhe esta homenagem pstuma, ainda que singela, numa demonstrao de gratido pelo seu exemplo de vida e dedicao, e agradecemos a Deus a oportunidade de faz-la. Temos a certeza de que Deus, na sua bondade, est lhe restituindo o que por merecimento lhe devido, e nesta oportunidade de reviver num relance fatos marcantes de sua vida marcante simbolizamos esta parbola perfeita que sintetiza uma vida completa.
Esta breve histria de vida a tentativa de trazer nossa presena a aura de sua lembrana nestes momentos de saudade, saudade que a doce presena da ausncia e lembrana que a doce presena da imagem que ficou para sempre nos nossos coraes.
Querido pai, que Deus o tenha ao seu lado, neste lugar conquistado pela histria de vida que voc nos legou como a maior e melhor herana.
Voc foi o nosso heri!...Saudades imensas!...




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