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montesclaros.diariomineiro.net - Ano 26 - sexta-feira, 23 de maio de 2025
Cidade da Arte e da Cultura
"Montes Claros tem umas coisas
que as outras terras no tm".
(Canto da marujada)

Por exemplo, a nica cidade do interior de Minas Gerais que tem consulado. Esse Corao Robusto do Serto tem histria. Dizem que, na alvorada do sculo 18, o bandeirante baiano Antnio Gonalves Figueira recebeu do donatrio da capitania hereditria de Porto Seguro a carta de sesmaria da Fazenda Montes Claros, para nela semear e pastorear. A vasta possesso abrangia tudo que a vista alcana, entre as serranias claras que compem nosso horizonte. Encravado dentro do latifndio, fundaram, primeiro,o povoado de Cruzeiro, que se localizava nas proximidades do local onde hoje est o clube campestre Lagoa da Barra. Desgraadamente, uma epidemia de varola forou o xodo dos cruzeirenses para um outro ponto da sesmaria, a margem de um crrego piscoso. de gua potvel, com um cu azul claro demasiadamente bonito, que ainda chama a ateno dos recm-chegados cidade. (No se sabe por que, o montes-clarense parece ainda no ter percebido a beleza do cu de sua cidade. Os ageiros de avies que fazem escala, no aeroporto local, ficam encantados com o colorido de pintura renascentista do nosso cu particular). Pois muito bem, o novo povoado foi batizado com o piedoso topnimo de Arraial das Formigas de Nossa Senhora da Conceio e So Jos. Consta que descobriram ouro, na vizinhana, e houve at uma corrida desabalada aos veios do precioso metal. Por ocasio da emancipao poltico-istrativa, em 13 de outubro de 1831, data da criao do municpio, o topnimo foi alterado para Vila de Montes Claros. Em 3 de julho de 1857, a sede municipal foi elevada de vila aos foros de cidade. Houve manifestaes de jbilo popular, seguidas de latinrio em sesso solene da vereao, missa gratulatra, baile a rigor, noite de luminrias e o indispensvel foguetrio. ONTEM Vida que segue, a cidadezinha foi prosperando, mandou voluntrios para a Guerra do Paraguai, elegeu deputados, apareceram os primeiros letrados, instalou a escola normal sem buscar professores fora e ganhou o primeiro jornal, "Correio do Norte", em 1884. De repente, deu-se um acontecimento muito importante: no incio do sculo 20. chegaram, da Blgica, os cnegos premonstratenses, de batina branca, com a misso de propagar a f catlica e instruir a juventude. Fundaram mais um colgio, mais um jornal, um grmio dramtico e at um modesto observatrio astronmico. Inaugurou-se, na pacata cidade sertaneja, uma nova era espiritual. Foi ai que Montes Claros resplandeceu em noites e dias luminosos. A urbes interiorana foi convertida em cidade grega do Sculo de Pricles, superlotada de atores, cantores, instrumentistas, menestris, jornalistas. Um dos discpulos dos padres brancos, Joo Chaves, o bardo que cantava pras estrelas, comps a modinha "Amo-te muito", que ostenta a glria de ser considerada o hino nacional da seresta brasileira. Nem s de saraus, flauta e violo vivia o montes-clarense romntico e bomio do ado. Nesse nterim, o jurista Gonalves Chaves governou a provncia e redigiu o livro de Direito de Famlia, do Cdigo Civil Brasileiro. Ruy Barbosa, que foi o rio cheio de nossas letras jurdicas, colocava-se entre seus maiores iradores e o chamava, afetuosamente, de "meu mestre de Direito Constitucional". Sua terra me deu seu nome praa da Matriz, ao Frum e escola primria mais antiga da cidade, em homenagem trplice e merecida. Em 1926, o apito do trem de ferro, trazido pelo norte-mineiro Francisco S, ministro da Viao, registrou nosso ingresso na era da tecnologia. Vinte anos depois, o prolongamento dos trilhos rumo Bahia e ao Nordeste colocou a Princesa do Serto na corrida para o desenvolvimento econmico e social. Em 6 de fevereiro de 1930, em meio a tiros e correria, a cidade ganhou as manchetes da imprensa mundial. Sucedeu um sangrento conflito entre faces polticas rivais, e Dona Tiburtina, esposa do deputado Joo Alves, que se opunha ao deputado Camilo Prates, foi mitificada como mulher corajosa e personagem da Histria do Brasil. Na dcada de 1960, chegou a fase dourada da expanso econmica planejada e financiada pela Sudene, originada de emenda do deputado Jos Esteves Rodrigues, que criou parques industriais e modernizou a explorao da economia rural. Iniciou-se, ento, a atual fase de modernizao da cidade, marcada pela gesto histrica do prefeito Antnio Lafet Rebello, que sacudiu o marasmo istrativo e introduziu a cidade, definitivamente, na era do planejamento urbano e do asfalto para toda a comunidade. HOJE Montes Claros 2000 isto: a quinta cidade de Minas Gerais, em populao urbana, com cerca de 300.000 habitantes; a sexta, em colgio eleitoral, com mais de 180.000 eleitores; e a oitava em arrecadao de impostos. Localiza-se, aqui, o segundo entroncamento do plano rodovirio nacional. (O primeiro fica em Picos, no Piau). Produz tecidos, cimento, medicamentos, laticnios, cermica bovinos, sumos, aves e gneros do Pas. Implanta pontes de safena, transplanta rins e reconstri maxilares. O mercado secundrio de comercio e servios apresenta um quadro de vitalidade crescente. Circulam, diariamente, trs jornais. Operam dois canais de televiso e inmeras emissoras de rdio. A cidade muito bem servida de associaes esportivas e recreativas. Constri-se como nunca antes se construiu, por estas bandas. Mui felizmente, por estas plagas nortistas, o progresso intelectual anda de mos dadas com o progresso material. A Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes - uma universidade de integrao regional e vem cumpnndo seu papel com brilhante desempenho, no ensino acadmico e na pesquisa. E o Conservatrio Lorenzo Fernandez, que foi fundado pela benemrita Marina Lorenzo Fernandez Silva, filha do ilustre patrono, j uma referncia nacional como estabelecimento especializado em educao musical. Nossa cidade agro-industrial tambm exporta cultura. Quando a companhia do Banz exibe o canto e a dana de nosso povo para as platias de alm-mar. e a nossa produo cultural que est sendo vendida, no comrcio exterior, como artigo de luxo. Essa exportao cultural tambm ocorre na traduo para outros idiomas das obras literrias de Darcy Ribeiro. Manoel Hygino dos Santos e C\TO dos Anjos, ou na gravao, em estdios europeus, dos valseados que saam da rabeca de Z Coco do Riacho. Nossa pintora Yara Tupinamb ornamenta, com seus murais inspirados na paz mundial, o edifcio-sede das Naes Unidas, em Nova York. Beto Guedes, expoente da MPB, tem sua cano divulgada muito alm de nossas fronteiras. Nesse mesmo quilate, h, ainda, artistas de escol que ficaram por aqui mesmo, agarrados a gleba, como o caso de Konstantin Christoff e Samuel Figueira, que seguiram o exemplo de sedentarismo do mestre Godofredo Guedes, da musicista Dulce Sarmento, e permaneceram com a gente, entre amigos e a paixo pela Arte. A sbita interrupo da vida e da carreira do jovem pintor Raymundo Colares, premiado na Bienal de Veneza, foi uma perda irreparvel para o nosso patrimnio artstico e cultural. Este rol sena ainda mais incompleto se deixasse de citar a obra do folclorista To Azevedo e recordar o virtuosismo do cantador Zezinho da Viola, que maravilhava o povo, nas feiras de sbado, ponteando a viola de Queluz de cinco bocas. Esse Norte imenso... "O Norte quente, pastoril e spero na intratabilidade da caatinga".(Guimares Rosa - Ave, Palavra) - Outras importantes cidades da regio tambm exportam produo e talento. Ora, a carnavalesca Pirapora, que plo txtil e siderrgico, o bero de Francisco Iglsias, um dos maiores historiadores brasileiros deste sculo, e do coregrafo Marku Ribas. Januria, a flor agreste da chapada, de forte vocao turstica, e a terra amada dos romancistas Manoel Ambrsio e Jos Antnio de Souza, do dramaturgo Alcione Arajo e do maestro Benito Juarez. Cada cidade de nossa regio tem o seu orgulho municipal. A Imperial Cidade de Gro-Mogol exalta seus ares balsmicos e a aquarela do casario colonial. Os barranqueiros de So Francisco, a Cidade-Crepsculo. falam maravilhas de suas praias de areia fofa. O brasilminense. tradicionalista, se ufana do ado da antiga Vila de Contendas, de conterrneos como Doutor Santos. Zino Oliva, e da modelar organizao istrativa e comunitria de sua cidade. O Norte tem sua estncia de guas termais, em Montezuma, muito procurada para tratamento de molstias da pele. Porteirinha. terra do saudoso Doutor Binha, que j foi Capital Mineira do Algodo e vem demonstrando vitalidade econmica, oferece aos amantes da Natureza o cenrio paradisaco da cachoeira do Cerrado, que o carto-postal da microrregio Serra Geral de Minas. Janaba, cidade adolescente e em processo acelerado de desenvolvimento, possui um pequeno mar mediterrneo, a represa do Bico da Pedra, muito adequada para recreao, esportes nuticos e pesca. Salinas, de terras frteis para o plantio da cana-de-acar, coroou-se Capital Mundial da Cachaa, merc da excelncia da pinga destilada em seus alambiques e envelhecida em domas de umburana. Espinosa deu ao Brasil um grande jornalista e historiador, Antonino da Silva Neves, e o bispo Dom Lcio Antunes. Brejo das Almas ou Francisco S um lugar de paz e carrega o epteto de Capital Nacional do Alho. "Brejeiro gosta muito de festa", vangloria-se o ex-prefeito e anfitrio Zeca de Deus Prado, que faz as honras da casa. Bocaiva, que cresce na pujana de seu distrito industrial, adora o Senhor do Bonfim e cultua a memria de seus mais ilustres rebentos: Herbert de Souza (Betinho). O irmo de Henfil, da luta contra a fome; e Jos Maria de Alkmim, que chegou a Vice-Presidente da Repblica. Em Manga, cujo nome evoca o aroma e o sabor da manga-rosa madura, ainda se aspira, na lembrana, o perfume do ltimo soneto do pernambucano Anfrisio Gonzaga Lima, que amou aquelas barrancas. Corao de Jesus um nome santssimo, sacratssimo, que dispensa outras palavras, a no serem de louvores e graas pela cidade corjesuense e sua gente devota. A cidade histrica de Rio Pardo de Minas foi a musa inspiradora do erudito cnego Newton d'Angelis, que deixou uma ela monografia de quatro volumes, seu canto de amor pela terra natal. L, num capo de mato, nasce um no de verdade, o Pardo, baianeiro, que viaja mansamente pelos gerais de Minas, com a simplicidade de um bom mineiro; atravessa a Bahia, encorpa e, ao final da jornada desgua, baianamente, na vastido do Oceano Atlntico. H uma expectativa de sucesso com relao ao plo de fruticultura irrigada, nos projetos Pirapora, Gorutuba e Jaba. Aguardam-se dias de fartura e riqueza, com a perspectiva de mais de 100.000 hectares irrigados produzindo alimentos para todo o Brasil e para o exterior. Se tudo der certo, e o governo apoiar, o Norte de Minas se transformara numa nova Cana, a terra bblica da promisso. A indstria do turismo. futuramente, tambm devera figurar nos planos de nosso empresariado de viso. A poesia necessria Montes Claros o resumo do Norte, funcionando como cidade-dique da regio e sua capital de fato, que canaliza tanto benefcios como problemas sociais. Esta tambm a cidade amena e saudosista do folclore, da carne de sol, da Festa Nacional do Pequi, do Psiu Potico, dos madrigais de Yvonne Silveira, do eixo etlico-filosfico do Caf Galo, Cristal e redondezas, dos tipos populares, de Al-l-, do galante Mane Quatrocentos, da boneca de Leonel e do seu dono, de quem se contam agens deliciosas. Esta a cidade inocente e anglica das coroaes de Nossa Senhora, das folias de Reis, dos folguedos juninos; e a mesma cidade afro-luso-brasileira da festa de agosto, dos catops de mestre Zanza, dos caboclinhos e da marujada de Miguel Sapateiro, que canta a epopia da barca nova que do cu caiu no mar. Anote: o "defeito" grave do montes-clarense o bairrismo, chamado de jucaprasmo pelo escritor Marques Rebello, da Academia Brasileira de Letras, que, em 1940, se impressionou com o amor exacerbado do Sr. Juc Prates por seu torro natal. Essa paixo desmedida teve muitos adeptos. Por exemplo, o acadmico Joo Valle Maurcio, os historiadores Hermes de Paula e Simeo Ribeiro Pires, os jornalistas Lazinho Pimenta e Jair Oliveira o rotariano Joo Souto, o poeta Cndido Canela e os espirituosos Z Amorim e seu pai. Pedro Montes Claros, foram jucapratistas empedernidos. O inesquecvel prefeito Mrio Ribeiro - esse era radical - costumava dizer que, para ele, s duas cidades serviam para morar: Montes Claros e Paris. Realmente, o jucapratismo era uma seita de fanticos. Um dos sectrios, o ex-atleta Joo (Zinho Bolo) da Silva Prates no ite viver em outra cidade nem em sonho. Viajar, s em caso de extrema necessidade. No a a saudade da terrinha. Frias, nada melhor que o lar para goza-las. Dizem que, quando sai com a famlia, para algum sitio ou clube campestre, fica mais alegre na volta do que na ida. incrvel, mas fato verdico e sabido. Conta-se que o cronista Newton Prates, do "Dirio Carioca", no Rio de Janeiro, sempre que inquirido sobre sua naturalidade, respondia, de peito estufado: "Sou de Montes Claros, modstia a parte" 3x2y12

HAROLDO LIVIO
* (O autor figura na Enciclopdia de Literatura Brasileira da Academia
Brasileira de Letras, edio de 2001)